quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

PLENITUDE - Exercício ficcional

Há algo em mim. Mágica, mística, mítica, misteriosa essência. Isso é o meu deus.
                                                                                                                            (A.O)




O sol está se pondo. E ela olha o horizonte, no entorno da órbita os anos passados são evidentes, mas não sofre de cegueira senil, mesmo idosa enxerga o mundo a olhos nus, e se emociona com o espetáculo do crepúsculo.

Tinha dezoito anos, ele mais ou menos vinte e dois, se conheceram numa quermesse, festa de São Sebastião. Ela de vestido rendado e fita no cabelo. Ele, digamos, usava roupas que eram um escândalo para aquele tempo; estava ali para estudar identidades, e quem diria, se identificou.
Foram conversar atrás da igreja. No dia seguinte fizeram piquenique na cachoeira. No terceiro dia ela pulou a janela e foi baixar no quarto de hotel onde ele rabiscava em um papel: nomes e corações...

...Transcenderam, deliraram, repetiram e descansaram.

Mas ela não era moça sozinha na vida, tinha pai militar, com licença para matar, e numa piscadela do destino a  cidadezinha tornou a notícia grande, o pai não poderia permitir.


ESTUDANTE  DO SUDESTE DEFLORA FILHA DE CORONEL MANOELINO



Naquele tempo e naquele lugar sentimento era coisa de gente à toa. A alma era forrada todinha pelo negro veludo da moral, caminho bom para moça nova era o altar, onde a esperaria um Futuro Dono de Muitas Vidas. Se a mocinha pegou a viela da direita e foi parar onde não deveria...
O jeito era fazê-la rever a habilidade do bordado, treiná-la para tratar com dureza a criadagem, retomar as aulas de francês, sabe-se lá pour quelle raison.
O marido foi arranjado sem muito esforço, algumas cabeças de gado trocaram de pasto, negócio fechado.
Do estudante, ela não soube mais. Alguns disseram que voltou para São Paulo, outros afirmaram que virou alma do rio. Nunca mais quis falar sobre o assunto, custou a me contar o que agora conto, se calou para a vida. Quando lhe peço que resuma sua existência, diz que bordou, pariu e nunca reclamou.

Da varanda ela olha para o céu, povoado de estrelas, suas pálpebras, cortinas do teatro, começam a se fechar.

PLENITUDE

O espetáculo do amanhecer terá uma espectadora a menos.

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