sábado, 26 de maio de 2012

A dinâmica dos mitos

Antes era
o vento
O relâmpago
o trovão
Era a chuva que caia
a montanha
o mar
o Universo

Depois veio a criatividade
Homens sobrepondo-se a homens
Veio a culpa
O pecado
A busca pelo eterno perdão

Hoje o sucesso
O poder
O dinheiro na mão
A beleza, a juventude e a alienação.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Balanço

Perdi a linha
Entortei o verso
Quebrei a estrofe
Empobreci a rima

Exaltei o lixo
Enobreci a dor
Perturbei o silêncio
Insultei o sagrado
Sacralizei o profano

Transgredi por prazer
Repeti o erro
Compartilhei a desgraça
Soneguei a alegria
Trilhei a estrada tortuosa
Estaquei diante da retidão

E ainda quero ser igual a mim
A imagem para além do espelho
Luz casada com a sombra
Flor e espinho
Abismo e jardim

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Aconteceu

Ela olhava para o espelho havia quinze minutos. Sentiu uma leve tontura e sentou-se na poltrona rosa que havia em seu quarto. Experimentou uma grande angústia, sensação de impotência, medo do futuro. Não havia solução, ele estava lá. Decidiu telefonar para sua melhor amiga, a ligação entretanto foi direcionada à caixa de mensagens. Levantou-se, voltou ao espelho, mexeu nos cabelos, ali ficou por mais dez minutos. Precisava falar com alguém, ligou para Aurélia mesmo.
- Oi! Lélinha?
- Oi!
- Aconteceu!
- Quando?
- Percebi hoje.
- Ai amiga, não se preocupe, amanhã marco um horário com a Clô, vai dar tudo certo.
- Você não está entendendo, nunca mais será a mesma coisa, estou deixando de ser eu mesma, de ser original.
- Tenha calma, você está levando tudo muito a sério.
- Preciso desligar.
Voltou ao espelho, pegou o fio branco e o arrancou violentamente da cabeça.

No dia seguinte

Usava uma camisola de seda azul, sentada numa espreguiçadeira na sacada de seu apartamento apreciava a noite viva na cidade acompanhada de uma taça de vinho branco. Tivera um dia difícil. Não queria pensar na agenda do dia seguinte, mas pensava e bebia, pensava e bebia. Até que adormeceu. Acordou com frio e uma leve dor de cabeça, levantou-se e percebeu que havia algo errado em seu apartamento, não conseguia identificar, mas algo estava fora do lugar. Olhou no relógio, se não se apressasse chegaria atrasada ao trabalho, tomou banho e saiu, o metrô estava lotado, sentia-se cansada logo pela manhã, como se seu dia estivesse para terminar, como que por "osmose" deixou a composição. Quando chegou à rua, que era seu destino, surpreendeu-se, o prédio onde trabalhava havia desaparecido, andou a rua de ponta a ponta, como se o prédio pudesse ter mudado de lugar, estava desesperada, pensava no atraso, nos compromissos, no encontro com Augusto da contabilidade, chegou a pensar que talvez estivesse enganada já que nas grandes cidades as ruas costumam ser muito parecidas, olhou uma placa, era mesmo aquela, viu um senhor de barba longa e cabelos grisalhos do lado oposto ao que estava, atravessou para perguntar a ele se conhecia o edifício Girassol. Acordou com frio e uma leve dor de cabeça, levantou-se e percebeu que seu gato havia derrubado sua imagem de São Francisco de Assis. Telefonou para o escritório avisando que não iria trabalhar.