sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

E agora Raimundo? - Exercício ficcional

A rodoviária estava lotada, chovia naquele fim de tarde. Seu Raimundo, que já andava puto da vida, teve de entrar naquela fila imensa para embarcar no coletivo que o levaria para casa, ou melhor que o deixaria a mais ou menos um quilometro de distância de sua humilde residência.
Como se não bastasse a desgraça diária do transporte público, outra coisa o irritava profundamente, a poucos metros da fila, em um daqueles banquinhos precários de rodoviária, dois mocinhos de cabelinhos espetados, roupinhas agarradas, piercings no nariz e sobrancelhas desenhadas trocavam carícias publicamente, tão apaixonados que exalavam um aroma de baunilha no precário lugar.
Seu Raimundo rosnou para a moça grávida, que aguardava o embarque, logo a sua frente:

- Mas isso é o fim do mundo! A gente véve a vida toda, trabalha feito cão, pra vê isso. Eu não gosto dessas coisa não, se é meu filho dô uma pisa de vira a barriga pras costa.
- É verdade! respondeu a moça redonda e exausta.
- Isso é falta de pisa, do pai ensinar a arrancar barranco desde pequininho, de ensinar a fazê serviço de macho.
- Meu pai pensa igualzinho ao senhor!
- E ele não tá certo fia?
- Ah! Eu acho que está sim.
- Pois então, eu tenho um menino dessa idade, uma hora dessa o coitado tá lá, carregano lata de concreto, tá trabaiano, eu que arranjei pra ele na obra que um conhecido meu empreitô, o bichinho dá orgulho fia, largou até a escola de tanto que gosta de pega no pesado.
- Que bom, isso é raro hoje em dia.
- E não é?

Cobrador e motorista a postos, a fila começou a se movimentar. Seu Raimundo olhou mais uma vez o casalzinho, que compartilhava um beijo cinematográfico. Pensou, "vira hômi cabra da peste!"

Em um bairro nobre da cidade a obra já tinha aparência de mansão, mas o trabalho, naquele dia, acabara uma hora antes do momento em que observamos (você leitor e eu narrador). Lá estava filho de seu Raimundo, um rapaz bonito e forte, cara de macho, barba cerrada, tatuagem de dragão no braço. Tinha namorada, com quem dizia que iria se casar. Gostava mesmo de pegar no pesado, ao menos era assim que chamava o membro rijo de Paulão, com quem se deliciava na cozinha americana inacabada, em meio a montes de pedra e areia, onde seus sussurros eram abafados por tapumes de madeirite. Invadido na retaguarda pelo negro de um e noventa de altura, se mostrava macho o suficiente para aguentar a força de outro homem.

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